quarta-feira, 29 de julho de 2009

QUE MEMÓRIA ESCOLHEMOS PARA ITABUNA?
A comemoração do aniversário de emancipação de Itabuna faz saltar na imprensa e nos discursos das autoridades uma história vaidosa e orgulhosa do município. Por meio dela, ficamos informados que Itabuna é o resultado de uma “saga”, cujos personagens centrais são os coronéis que fincaram poder nesta terra e construíram a “Civilização Grapiúna”.
A partir daí, uma série de signos é montada com vista a ratificar essa visão sobre o passado. Talvez o mais presente deles seja o mito dos pioneiros (ou dos desbravadores, como ficaram conhecidos por aqui), onde se sobressaem figuras como Firmino Alves, Henrique Alves e Félix Severino do Amor Divino. Esse imaginário “progressista, civilizacionista e desbravador” serve de referência para muitos empreendedores que buscam se afirmar na sociedade de Itabuna.
Dessa forma, projetamos no nosso presente o que consideramos que esses indivíduos foram no passado, mas muitas vezes esquecemos de questionar: o que escolhemos para compor nossa memória?
Ao contrário do que muitos pensam, o passado é um elemento fundamental para amparar as questões do presente. A memória é construída e ratificada a partir dos grupos sociais que se projetam na sociedade atual. Um bom exemplo disso foi a comemoração pelos 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil.
Naquela oportunidade, a memória de um país composto por “um povo novo, formado pela mistura de três raças valorosas, alegre, pacífico e inconfundível” foi solidificado com um passado onde só se enxergava harmonia, progresso e ordem, além de reforçar símbolos que ajudavam a forjar uma identidade homogênea de uma população tão múltipla: bandeira nacional, heróis (Tiradentes, D. Pedro I, Caxias e Vargas) e cultura popular (samba, futebol, etc).
Os efeitos da comemoração dos “500 anos” foram a construção de um país cujas desigualdades social e racial gritantes foram ofuscadas por uma visão estereotipada e mitificada do passado brasileiro.
As comemorações pelo centenário do município parecem caminhar num rumo muito semelhante ao que foi visto em 2000. Esquecemos da pluralidade dos indivíduos que ajudaram a construir Itabuna, além de ofuscar as diferenças culturais e sociais que permearam sua comunidade.
A memória de Itabuna, na ânsia de ratificar seus valores de progresso, apaga do seu passado a luta de diversos trabalhadores que disputaram o direito de viver nesta cidade. Foi assim quando os feirantes, em 1937, exigiram da prefeitura de Claudionor Alpoim a liberdade para comercializaram seus produtos na feira pública que se localizava na Praça Adami.
Lembrar que, em nome do progresso local, as lavadeiras foram obrigadas a se retirar das margens e do leito do rio Cachoeira em 1946, e por este motivo, foram até a Justiça Pública contra a ordem do prefeito Armando Freire. Cabe citar também que, na década de 1950, os candomblés e os bicheiros de Itabuna sofreram uma dura perseguição da imprensa e das autoridades policiais que reprimiam qualquer comportamento cultural que ultrapassassem as fronteiras da idéia de civilização impostas pelas elites locais.
Estes breves episódios do passado de Itabuna nos remetem quase que instantaneamente para os fatos recentes de nossa cidade. Quem não lembra da retirada das floricultoras da Praça José Bastos no ano de 2007? Ou ainda, da perseguição cotidiana aos camelôs nas principais vias urbanas da cidade? E o que dizer da situação dos feirantes nos espaços destinados a Feira Pública? Preocupar-se com uma memória que nos faça refletir sobre os desafios existentes na sociedade contemporânea é um passo decisivo para se repensar Itabuna e não se envaidecer dela como um amor cego.
Optar por uma memória em torno do Centenário de Itabuna que cristaliza um passado heróico e mitificado do passado local é ajudar a camuflar uma sociedade conservadora e autoritária do presente, e excluir mais uma vez outros tantos personagens que contribuíam para consolidar esta cidade. Dizem que os homens são capazes de aprender com suas experiências. Que tal não repetirmos os mesmo erros das comemorações dos “500 anos” no Centenário de Itabuna?

Philipe Murillo S. de Carvalho é mestre em História Regional e Local pela Universidade do estado da Bahia. Autor da dissertação “Uma cidade em Disputa: Tensões e conflitos urbanos em Itabuna (1930-1947)”

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